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VIAGEMCRÔNICA

a gente nunca para de viajar

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Gilberto Gil

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Crônicas sobre uma viagem que só termina no último suspiro.

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“Cheguei a Lisboa, mas não a uma conclusão”

“Cheguei a Lisboa, mas não a uma conclusão”. Pessoa, Pessoa… Vai mesmo fazer esse comboio de corda girar infinitamente?


Inventei de ler o Livro do Desassossego naquela que foi minha primeira viagem internacional sozinho. Primeira parada: Lisboa. Transportando na mala interior um frasco de insegurança e outro de excitação. Achei uma escolha literária coerente. Na barriga muito frio. Chegar. Na cabeça, uma dúvida: qual seria meu primeiro ato solitário assim que entregasse meus olhos e ouvidos à Lisboa?


Romantizando um pouco, pularei a parte em que saio do metrô direto para a Rua Augusta, tiro uma foto dela. Rua praticamente deserta no comecinho da manhã e com o chão brilhantemente molhado de azul por um finalzinho de chuva. E o Arco do Triunfo ao fundo, claro. Um homem com um grande-guarda chuva hesitante perto do arco. Não devia ser um herói. Ignoremos também, afinal foi uma parada estratégica e logística, que tive que ir ao hostel guardar a mala enquanto meu quarto não estava livre. Assim sendo, finjam que não leram esse parágrafo e passemos para as flores.


Qual será o primeiro pensamento das pessoas quando Portugal é chamada a aparecer em suas mentes? Na minha cabeça vem a palavra saudade. E mesmo estando há apenas umas 12 horas longe de casa, eu já queria enviar um postal para 2 pessoas muito especiais para mim. Seria divertido se o cartão-postal chegasse antes de mim. Eu passaria 20 dias fora e pareceria que seriam 20 anos. Então comecei o ritual.


O Rossio parecia o local inventado exatamente para minha cerimônia que se resumia em comprar 2 cartões-postais, sentar num pitoresco café e escrever para meu namorado e minha amiga enquanto tomava um pingado. O que não falta pelas redondezas eram lojas de lembrancinhas transbordando postais que vão desde a tradicional foto panorâmica do Castelo de São Jorge aos ângulos mais intimistas de um detalhe cotidiano em preto e branco. Escolhi essa segunda opção depois de rondar o nosso Dom Pedro II e entrar numa rua à direita do Teatro D. Maria II. Minha cerimônia exigia artefatos mais autênticos.


Ostentando nas mãos um elétrico refletido numa poça d’água e uma calçada com pedras portuguesas saí farejando um cheiro de café. Precisava de uma singela mesa para eu iniciar minhas laudas (2 endereços, umas 7 linhas no total, 1 verso de Caetano). Prontíssimo para fitar o infinito empunhando uma caneta numa mão e uma xícara na outra. Muito cheiro de nouvelle vague para o meu gosto.


Depois de cruzar novamente com o Dom Pedro IV deles, vejo uma aglomeração num café que parece muito simples para ter tanto zunzum. É que as mesas e toldos não me deixaram ver de longe a sofisticada entrada com suas colunas jônicas, esculturas e simetria elegantes. Só chegando bem perto pude ver o letreiro em maiúsculas como quem fica na ponta dos pés erguendo bem o corpo ao levantar a cabeça no meio da multidão pra dizer seu nome: NICOLA. Mas o que atrai essas pessoas até aqui não deve ser essa linda fachada decorada com um peixe enorme com a cauda para cima em cada lado.


Como as mesas da esplanada estavam todas ocupadas de loiros que falavam alto, fiquei dentro da cafeteria mesmo. (Aliás, é muito bom estar em outra esplanada que não a Esplanada.) O que foi muito bom pois pude fixar os olhos em seu art-decó e aproveitar do silêncio enquanto escrevia minhas epístolas jurando que quem me visse de fora imaginaria “ali mais um poeta nessa cidade inspiradora!”, enquanto eu fazia pose de Pessoa num filme do Godard. Se soubessem que nem o endereço no postal eu escrevi direito...


Escrevi. Bebi. Comi. E paguei caro. Aproveitei e fui ao banheiro. Pois se tem uma oportunidade que o eu turista e o eu sovina nunca deixam escapar é a de ir ao banheiro. Saindo em busca de um correio me perguntei se aquele café é como os de Brasília, muito frequentado por ser bonito e caro acima de tudo. Cheguei ao correio, mas não a uma conclusão.


Um par de anos depois li Os Maias e me apaixonei por Eça de Queiroz - e por Lisboa ainda mais. Finquei na cabeça que preciso retornar à cidade para respirar nos bairros, ruas e lojas que Eça cita no seu clássico e por onde, certamente, observou muito a vida contar os minutos com os ponteiros quebrados. Lisboa parece que nos convida ao retorno. Tenho muito o que eçar ainda. E lendo sobre a biografia dele, descobri que meu Eça morou no 4º andar do mesmo edifício onde está o Café Nicola. Já temos algo em comum. Evidentemente, o gajo passava umas tardes no café também. Será que chegou a escrever algum cartão-postal?




 
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