- 24 de nov. de 2018
- 2 min
- 14 de nov. de 2018
- 3 min
Gilberto Gil
Crônicas sobre uma viagem que só termina no último suspiro.
Atualizado: 25 de nov. de 2018
Belmondo coloriu de vermelho seu terno branco com a poeira daqui. Almodóvar filmou os salto altos de Marisa Paredes aqui. Sônia Braga abriu essa porta. Goldie Hawn dançou e flutuou (há diferença?) nessas margens. Nessa obscura ruela, Fernando Rey se sentiu humilhado. Foi nesse chafariz onde Julie Delpy esperou de braços cruzados para ver Ethan Hawke depois de 9 anos.
Quem viaja com frequência acaba desenvolvendo algumas pequenas obsessões de prazer calculadas em repetições ritualÃsticas. Almoçar na mesma rede de restaurante, fazer a mesma pose pruma foto, tomar sempre um etÃlico produzido no local, beijar lábios de nativos e além. Um amigo fazia questão de comer no Outback de toda cidade que visitava. Mas não estamos aqui para examinar as obsessões excêntricas de ninguém. De minha parte, compartilho a minha, que é singela.
Cinema e viagem são dois fósforos para esse viajante. Vejo um filme e me sinto um transeunte inofensivo que cruzou a caminhada da anti-heroÃna (vejo poucos filme de heróis) e se transformou em voyeur especializado em janelas indiscretas. E viajando, os olhos parecem enxergar o movimento das ruas em 24 frames por segundo; a música que toca num bar ou nos fones de ouvido ou num carro que passa é a trilha sonora original.
Como uma aura benjaminesca não faz mal a ninguém, ver uma rua, um bar, uma estação de metrô ou uma igreja nas cenas de um filme me faz querer estar ali pessoalmente. Em carne, osso, olhos, ouvidos, tato. Dispenso a luz e a ação, mas a câmera é obrigatória.
Conhecer e fotografar locações de cinema tem sido um motivacional a mais para conhecer lugares novos. Ao ser escolhido por uma cidade para experimentá-la, começo a ouvir músicas, ler livros e assistir filmes feitos nela. São os primeiros habitantes que conheço, as primeiras ruas onde piso. Meu roteiro de viagem não estaria completo sem esse guia.
Teremos aqui a sessão Cinema Mundo. Justamente com fotos de locais onde foram encenadas algumas histórias que bem poderiam ser a nossa. Locações cinematográficas que me fizeram estar novamente dentro do filme, reescrevendo o drama, nos bastidores da cena em que eu mesmo sou o ator e a personagem. São as viagens me proporcionando o sonho juvenil de ser cineasta.
Faço listas temáticas o tempo inteiro. Então alfineto num mapa os pontos exatos onde foram filmados determinados filmes, o que é uma lista geográfica-emocional. E o site MovieLocations é a primeira fonte de busca para me inteirar de algumas ruas atriz que atuaram como cenários por uns dias. No mais, vejo o filme, identifico uma loja, um comércio, uma placa de rua, e começo o garimpo na internet.
A busca por esse ouro nem sempre traz as mãos cheias. Muitas ruas ficaram apenas na vontade de serem vistas ao vivo por quem já as viu numa tela e na memória. Mas o voyeur insiste. E salta de alegria quando reconhece numa cena um lugar que já esteve antes. E quando tem, sem prévias intenções conscientes, uma foto de tal local, se conecta buarquemente com o encanto de la casualidad. Talvez por isso esteja na hora de viajar mais um filme.