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VIAGEMCRÔNICA

a gente nunca para de viajar

o melhor lugar do mundo é
aqui e agora

Gilberto Gil

peru - costas vale sagrado.jpg

Crônicas sobre uma viagem que só termina no último suspiro.

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Você não viu nada em Mariana

Atualizado: 3 de abr. de 2020

"Día tras día voy caminando por la vida con mis ojos calientes, llenos de ganas de mirar".


O que eu realmente vejo quando vejo o que eu vejo? O que uma nova cidade me mostra? O que um novo dia numa já conhecida cidade mostra?


Ao viajante que mal bate na porta para entrar, a cidade já apresenta seus filhos oficiais em letreiros gigantes. A estátua símbolo da força e da luta históricas de um povo, o busto de um marechal, uma igreja centenária, um patrimônio tombado. Todos exibidos no guia turístico oficial, sua certidão de nascimento, seu álbum de família. Ali somente os destaques, os filhos favoritos que recebem a benção obrigatória da avó.


Porque a cidade sabe que o viajante antes de mais nada é um estranho olhante e impressionável. Antes mesmo de ouvir ou cheirar, ou tocar, ele desliza olhares em busca do que já espera encontrar ali. Afinal, muito provavelmente, o viajante já viu em telas planas muitas imagens de onde acabou de chegar. Buscando reconhecer o que ainda está por conhecer, tenta estar de alguma forma seguro na casa de estranhos, procura algum traço de familiaridade.


Porém, a cidade também gosta de desapontar: ela irá mostrar aquilo que o viajante não procura ver. E esse desapontar só será sentido pelo estrangeiro que tiver muita sorte de estar com os olhos tão abertos quanto o coração. A cidade quer conduzir a pontaria.


A cidade que mostra as placas das ruas nominadas também dá pistas de caminhos extraoficiais. Ela sussurrará que há ruas imaginárias e surpreendentes a serem vistas (e mais: vividas). Parte de uma meada misteriosa onde a Rua Getúlio Vargas também é a rua de um beijo hético.


Se a cidade pode ser alvo ou dardo apontado, dependerá do viajante. Dentro da teimosa catedral que não desaba, um raio de sol fluiu num feixe brilhoso do brinco da senhora devota. Quem viu?


A catedral, o brinco, a luz, o mofo, todas belezas que só olhos bem abertos podem pressentir. Como a cidade é ativa, quando esquecemos que cada pedaço dela é um espelho em potencial ela faz questão de nos lembrar. Cada experiência devolve ao nosso olhar a lembrança de que se demos atenção à energia do momento é porque ela já existia em nós, numa sombra esquecida de um cômodo vazio.


Carrego comigo um olho a mais. Minha câmera fotográfica me auxilia a caminhar atento quando a natureza e a civilização deixam rastros na direção da minha mirada. Vejo o ambiente devolver o olhar perguntando “eu sou você?”. No susto do reflexo, disparo.


Outrora, com muitos olhos, eu respirava na Praça Minas Gerais em Mariana. Pelourinho, igrejas, câmara, grama seca, nuvens plúmbeas à frente do sol açafroadíssimo, uma ave de rapina, minha mãe olhando para onde?


E dois garotos brincavam de correr na praça e de escalar a escada que leva à porta gigante da gigante Igreja de São Francisco de Assis. Enquanto eu tirava fotos dos movimentos (do rococó, porém não apenas), as crianças pululavam livres em seu mundo limitado pelo retângulo da praça. A escada estava lá para ser desbravada, já que conduziria ao alto. Ali as crianças já entendiam que para subir é preciso suar sorrindo. Até então foi isso que eu vi.


De regresso à minha casa, vendo as fotografias da viagem, sobressaem as crianças de Mariana. Surpreendido pela lembrança, estremeci e me emocionei. Aqueles pequenos que eu vi superando seus limites imaginários e voando soltos, no topo, olharam diretamente para mim e sorriram. Pousando no alto, posaram para a foto, modelos naturais. Fulguram-se na foto orgulhosos de si, exibindo sua coragem e liberdade num sorriso que desafia “Me vê? Se vê?”.


Ser vigilante e estar com os olhos física e emocionalmente acordados é uma prática. É subsistir ao tempo do relógio que insiste que passemos rápido de uma função mecânica à outra. E uma viagem pode ser uma experiência de treino, de repouso ativo. De um descansar do automático para exercitar a atenção. Anda constantemente estimulado e desperto para ver os sorrisos no meio do caminho.





 

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